sábado, 28 de março de 2009

Globo: laboratório do pedantismo popularesco

Não foi a Rede Globo de Televisão que lançou o popularesco. Quem lançou o popularesco foram as rádios controladas por latifundiários e políticos de direita, que começaram a difundir a música brega para o país. Sim, aquele mesmo tipo de música que agora tenta ser vendida como “movimento de vanguarda” e até como “resistência à ditadura militar”. Na televisão, o popularesco iniciou sua escalada ao poder através de outras emissoras de TV, como Record, Tupi (já em fase decadente) e Bandeirantes e, mais tarde, o SBT.
A primeira tentativa de bregalização da Rede Globo teve como envolvido o cantor Roberto Carlos. Ídolo da Jovem Guarda nos anos 60, Roberto estava passando, nos anos 70, por uma excelente fase alternando música romântica e soul- isso mesmo, Roberto foi um soulman e poucos perceberam; prestem atenção nas melodias de músicas como “Jesus Cristo”, “Além do horizonte” e “Sentado à beira do caminho”-, quando a Rede Globo criou um programa de final de ano para ele, o Roberto Carlos Especial, levando em conta que o cantor capixaba foi apresentador do programa Jovem Guarda, da Record.
Só que a Rede Globo, e, paralelamente, a Igreja Católica, acabaram sendo para Roberto Carlos o que o coronel do exército norte-americano Tom Parker foi para Elvis Presley. Manipularam Roberto a ponto de transformá-lo num cantor brega, com letras piegas e com discos cada vez menos inspirados. Com um Roberto Carlos piegas, a mídia abriu caminho para a mediocridade do popularesco, a começcar pelos chorosos breganejos.
Em 1990, lá estavam os breganejos nas paradas de sucesso, patrocinados por Fernando Collor de Mello: Chitãozinho & Xororó, Leandro & Leonardo, e Zezé Di Camargo pegando carona nestes dois, portanto comendo também do mesmo banquete collorido que hoje jura renegar. Em 1992, vieram os pagodeiros, que de safra em safra geraram Raça Negra, Só Pra Contrariar, Negritude Júnior, Soweto (que gerou o cantor Belo) e, ultimanente, investe no Exaltasamba. Sabemos dessa história toda desse investimento na baixaria musical, lapidando-a para torná-la palatável ao gosto dos “refinados”.
A Rede Globo se tornou um importante aparelho de “lapidação” da música brega, tornando-a digestível para o chamado “bom gosto”. Virou um laboratório de promoção do pedantismo popularesco, domesticando ídolos popularescos para dar a eles um pretenso verniz de “MPB”, falsamente justificado pela venda de discos (que na verdade não indica, por si, importância cultural alguma) e pelo tempo de exposição na mídia. É uma forma de promover uma música de gosto bastante duvidoso como se fosse uma “arte superior”, e quem quer entender melhor isso favor ler o livro “Apocalípticos e Integrados” de Umberto Eco.
É até engraçado ver defensores do popularesco como Milton Moura e Paulo César Araújo espinafrarem os críticos alegando que a defesa destes de uma MPB mais “purista” com base em nomes como Chico Buarque, Milton Nascimento e Djavan não passa de um sentimento aristocrata e nostálgico. Qual coisa mais aristocrática do que a juventude riquinha ouvir “pandacão”? Nenhuma. Que coisa mais nostálgica do que recordar o brega dos anos 70? Nenhuma. É tragicômico que “pensadores” como Moura e Araújo usem a burguesia para legitimar o popularesco e o brega na suposta condição de “cultura popular”. E quem entende de cultura popular sabe que ela se legitima por si mesma, não por burguesinhos que assistem a bailes funk. Eles não entendem de cultura, só de curtição.
Voltando à Globo, ela investe na “lapidação” de ídolos popularescos com mais de cinco anos de carreira. Ai é só chegar às vésperas do quinto LP e tome banho de loja, de produção técnica, tudo o mais. Cabelos bem arrumados, guarda-roupa elegante, equipamentos de som possantes, assessoria de Comunicação com nível superior comprovado, marketing formal e informa bem elaborados, músicos profissionais e competentes, estúdios caros com sofisticados aparelhos de gravação, mixagem de discos em Nova York ou Londres, e por ai vai. Aquele breganejo tosco que cantava sobre os chifres que cresciam sobre sua cabeça agora parece um “caipira do asfalto” rico e meio esquizofrênico, às vezes querendo ser Bee Gees, às vezes pensando que é discípulo do Renato Teixeira. Mas ninguém liga para esquizofrenia. O breganejo acaba se tornando gigantesco, um “monstro” de luxo que os pobres do Artur Xexéo e Arnaldo Jabor não podem falar mal porque os fãs do breganejo reagem furiosos.
E aquele pagodeiro tosco que falava de “bunda”, de “barata da vizinha”, da “cachorra de minha sogra” etc. O mesmo cuidado, mas do contrário dos breganejos, que fazem cara de maus são arrogantes- Zezé Di Camargo está aí para comprovar- os pagodeiros têm que caprichar no sorriso “bonitinho”, na cara de “bonzinho”, imaginando-se querubins (tem até uma música desses grupos com esse nome no título).
E com isso o brega brasileiro, lapidado como se supusesse haver um ISO 9002 para a Música Popular Brasileira (o que é um equívoco: não existe controle de qualidade, pois isso tiraria a espontaneidade). Com a ajudinha da Rede Globo, breganejos, pagodeiros e axézeiros se juntam a gororobas televisivas que misturam medalhões da MPB como os ídolos popularescos, sejam eles kitsch (segundo Umberto Eco, quando o grotesco se passar por “arte superior”; exemplos: Alexandre Pires, Chitãozinho & Xororó, Zezé Di Camargo & Luciano, Harmonia do Samba), seja, eles camp (segundo Eco, quando o grotesco se assume, mas por provocação desafiadora; exemplos: È o Tchan, Latino, Pagod´Art, Tati Quebra-Barraco, Silvano Sales, DJ Malrboro, Gretchen). O SBT foi por muito tempo a Meca do camp. A Rede Globo virou o Olimpo do kitsh, embora eventualmente seja a Disneylândia de um camp manufaturado e empacotado ao gosto de burguesinhos irreverentes.
Como tentativa de conquistas o panteão da MPB, os popularescos ganham até o direito de gravarem covers de clássicos ou de sucessos medianos da MPB. Isso é moleza: os empresários já pagam os direitos autorais. Em certos casos, os próprios cantores de MPB acabam duetando com ídolos popularescos. Recentemente, Caetano Veloso e Gilberto Gil gravaram participação no disco acústico do Só Pra Contrariar, o último com Alexandre Pires. Milton Nasciimento participou de uma música de um Cd do breganejo Daniel. Zé Ramalho gravou com Chitãozinho & Xororó. Caetano Veloso e Maria Bethânia colaboram como Zezé Di Camargo & Luciano no filme sobre a vida desta dupla. ´´E o Tchan posando de “grupo folclórico” em documentário de TV. Gang do Samba idem. Fausto Silva colocando o Exaltasamba e o Só Pra Contrariar para duetar com os poucos sambistas de verdade que ainda são divulgados pelas rádios. E o brega dos anos 70 invadindo as casas culturais do Sesc e do Sesi, e Tati Quebra-Barraco fingindo que não é brega.
Esse artifício todo, que Faxina Cultural condena sem meias-palavras, mostra a tapeação que está acontecendo com a música comercial que tenta se passar por “cultura popular”. Está na cara que tudo é entretenimento. Puro lazer, sem alguma importância cultural. A evocação de valores culturais legítimos pelo popularesco chega a ser cômica e jocosa. E como tudo é cômico e jocoso e o pessoal acha um barato porque dá para passar tudo pelo lúdico, então muitos pensam que se trata da “verdadeira MPB”. Passam quinze anos acostumados com os mesmos bregas, achando que cafona é o juízo de valor. Ninguém entende de cultura, mas todo mundo se acha entendido, ninguém leva a coisa alguma a sério mas quer levar tudo isso a sério e o brega, que poderia ser uma gostosa piada, se perde sendo levado a sério demais. Uma pena. Graças à máquina comercial da Rede Globo pós-Collor, o popularesco tem defensores intransigentes, irritadiços, furiosos, reacionários. O que poderia ser uma brincadeira pode virar tragédia, ante o mau humor daqueles que não querem ver seus ídolos de gosto duvidoso serem mal-falados por críticos conhecedores de música.
A máquina de fazer doido da qual Sérgio Porto nos falou criou seus monstros contemporâneos. Imagine se Sérgio Porto vivesse para conhecer todos os bregas e popularescos que cobiçam os tronos da MPB?
Ele ficaria pasmo. O FEBEAPÁ musical venceu, infelizmente através da vinheta do plim-plim. Faxina Cultural

Um comentário:

  1. da professora Lúcia Lemos Ribeiro Penatti

    Air, gostei muito do artigo "Globo: laboratório do pedantismo popularesco" - concordo plenamente. É insuportável a divulgação e a pretensa inclusão desses horríveis tipos de música na MPB. Tenho a impressão de que a maioria da geração de hoje não tem senso crítico, parece que "as orelhas" se adaptam a qualquer coisa, "achando ótimo"... (Desculpe-me se você compartilha desse gosto...)
    E o que me diz do desserviço que a poderosa Globo faz com o Big Brother? Parece que ela sempre esteve empenhada em nivelar por baixo o gosto do brasileiro, que vai na onda -
    tá na Globo? Então é bom...
    Um abraço.

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